O beijo é uma forma de diálogo

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George Sand

Na narrativa “O Beijo”, de Valérie D’Heur, podemos descobrir diversos aspectos e mensagens cifradas nas sensíveis ilustrações que figuram em todas as páginas. As narrativas ilustradas além de meio de expressão do ilustrador também oferecem uma experiência interativa mais aberta ao leitor que pode se aventurar em um exercício de imaginação, de interação semântica com a imagem, chegando a diferentes e novos lugares.
No livro, todos os dias antes de sair a mãe pássaro beija a testa de seu filho passarinho, como a dizer “eu te amo e estou sempre com você”. O ato de beijar representa o sentimento de amor e  cuidado que existe entre pais e filhos  A este respeito, George Sand, importante novelista francesa do século 19 já dizia: “o beijo é uma forma de diálogo”....  Basta observarmos a dimensão da linguagem do beijo.
Há quem diga que isso nunca aconteceu, mas (SPOILER): houve um tempo onde não existia internet, nem Facebook, nem Whatsapp, e as pessoas se comunicavam, choquem-se, através de cartas.  Sem os artifícios interativos e instantâneos da internet, os apaixonados redigiam longas e sinceras cartas de amor na esperança de serem correspondidos. As moças mais passionais, passavam um belo batom vermelho para marcar sua carta com o “beijo-assinatura” – tática com retorno garantido, pelo menos é o que eu ouvi dizer...
Beijamos por amor, por compromisso, em sinal de respeito, para reverenciar algo ou alguém, podemos beijar com frieza, por amizade, para começar algo, para encerrar uma conversa. Em São Paulo beijamos uma vez para dar oi, no Rio são três “pra casar”. Beijamos para acalmar um amigo que chora, para receber aqueles que chegam e nos despedir daqueles que vão . Pode ser dado bem de pertinho, ou distância – jogado no ar. Beijamos para abençoar, cuidar, se divertir. 
Bem, o beijo pode portanto, siginifcar muitas coisas. Através de nossos lábios transmitimos os sons de tudo aquilo que dizemos ou não com palavras. Parece que toda palavra é feita de beijo.
Mas, a narrativa de D’Heur , não se propõe a discutir as diversas finalidades do beijo. Em uma leitura mais profunda, podemos observar que o passarinho pensou que poderia encontrar o beijo de sua mãe sob outras formas e durante a busca se depara com o conflito “não quero um beijo de girafa”, queria apenas o beijo da mãe. 


O que isso pode nos ensinar? 

Talvez o aspecto singelo que o livro aborda para o ato de ressignificar, que na prática, é a capacidade que possuímos e quase não percebemos, de encarar de forma simples as situações que antes eram complicadas;  de perceber de uma nova maneira e dar um novo sentido àquilo que já estava formatado no nosso sistema de valores e crenças.
Ressignificar é um processo de modificação do filtro pelo qual percebemos os acontecimentos.  A finalidade é alterar o significado anteriormente dado. Quando o significado se modifica, mudamos também nossa maneira de agir. O significado de todo acontecimento depende do filtro pelo qual o vemos. Quando mudamos o filtro, mudamos o significado e, então, podemos aprender a pensar e sentir de outro modo sobre os fatos da vida, ver novos pontos de vista ou levar outros fatores em consideração.  Ressignificar é um movimento pelo qual desenvolvemos nossa capacidade de compreender as circunstâncias da vida. E na capacidade exclusivamente humana de ressignifcar sentimentos. 
Ao notar que o beijo de girafa era diferente e que beijar o rinoceronte era tão bom quanto receber o beijo de sua mãe, o passarinho é  invadido pela sabedoria singela do ressignificar e mais ainda pela consciência do efeito semelhante que o amor provoca a quem o oferece e a quem o recebe. 


D’HEUR, Valérie. O Beijo. São Paulo: Brinque-Book, 2003.

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